sábado, 26 de abril de 2014

SEXTINA - Andei aprisionado no meu corpo

Uma pequena introdução ao poema. A Sextina é uma composição poética de forma FIxa, cuja invenção se atribui ao trovador provençal Arnault Daniel (xec. XII). É uma forma muito rara de poesia, tendo sido explorada por Camões, Diogo Bernardes, Goulart de Andrade. Devido a complexidade de sua estrutura e a rigidez absoluta de sua forma, a sextina é muito pouco utilizada como matéria de poesia e, por essa razão, um "bicho" em extinção. No geral compõe-se de uma sextilha de proposição, cinco sextilhas de desenvolvimento do tema e um terceto de remate. O que complica é o esquema dos versos que obrigatoriamente alternam as palavras finais em cada sextilha. No caso dessa minha sextina as palavras-chave são Corpo, Vida, Morte, Dia, Choro e Fria. Observem como vão se alternando em cada estrofe e como se juntam no terceto final. Um bom exercício para o cérebro.




Andei aprisionado no meu corpo
Curvado e triste e só, mascando a vida
Não via então que a vida assim é morte
Como se houvesse escuridão no dia
Eu, que em nada cria, hoje não choro
Nem temo a mão da noite, a morte fria.

No espelho eu não percebo a face fria
Que olha com desprezo o velho corpo
Pressinto dois em mim, por isso choro
Há um que encarna a morte, outro que é vida
Aquele é medo e noite, e este é dia
Do espelho, quem me fita é a morte

Não sei jogar xadrez, que venha a morte
E toque em minha face com a mão fria
Que venha armada em rósea luz do dia
Que hei de estar atento ao corpo a corpo
Que travaremos: ela, morte; eu, vida.
Aqui: não temo, não tremo, nem choro.

Por mim, que me perdi, é por quem choro
E não pela iminência da morte
Que é tão inevitável quanto a vida
Há sempre o sangue quente na mão fria
Existe alma fria em quente corpo
e a noite ainda persiste pelo dia

Estrelas se ocultam quando é dia
E o eu que ri é o mesmo quando choro
Este que vos escreve é alma e é corpo
E quando vos escreve enfrenta a morte
Pois quando lhe cobrir a laje fria
Nos versos declamados terá vida

Se para tanta arte é curta a vida
E para tanta dor é longo o dia
Eu devo almejar a boca fria
da má sorte? Beijando-a quando choro?
Pousá-la em minha cama, amante morte,
E nela repousar meu velho corpo?

Preso num corpo que rejeita a vida
cultiva a morte nas dobras do dia
Por isso choro essa lágrima fria




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